Um Novo Paradigma para o Ecossistema Cripto
A mudança de paradigma que as medidas propostas por Trump representam para o ecossistema das criptomoedas e do Bitcoin
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Pontos Principais do artigo:
1. Mudança de Paradigma
- Trump assinou duas ordens executivas que transformarão o ambiente regulatório cripto
- Revogou a OE 14067 de Biden, que era restritiva ao setor
- Proibiu explicitamente CBDCs
- Revogou a SAB 121, facilitando a custódia de criptoativos por bancos
2. Proteções Específicas
- Garantia explícita de direitos de mineração e auto custódia
- Proteção para desenvolvedores de software
- Ambiente mais favorável para inovação no setor
3. Nomeações Estratégicas
- Cynthia Lummis: presidirá o Subcomitê de Ativos Digitais do Senado
- Hester Peirce ("Crypto Mom"): liderará força-tarefa de criptomoedas na SEC
4. Reserva Estratégica de Bitcoin
- Ordem executiva cria grupo de trabalho para estudar a criação de reserva
- Duas possibilidades em discussão:
* "Stockpile": usar apenas Bitcoin já confiscado pelo governo (Silk Road, Bitfinex)
* "Strategic Reserve": proposta de Lummis para comprar 1 milhão de BTC (5% do total)
Por: Caio Leta, Head de Conteúdo e Pesquisa da Bipa
Thomas Kuhn, em sua obra seminal "A Estrutura das Revoluções Científicas" (1962), introduziu os conceitos de "ciência normal" e "mudança de paradigma" para explicar como o progresso científico acontece. Em sua visão, a "ciência normal" representa os períodos de estabilidade onde os cientistas trabalham dentro de um paradigma estabelecido, resolvendo "quebra-cabeças" dentro das regras e pressupostos aceitos pela comunidade científica. É como um jogo onde todos conhecem e seguem as mesmas regras.
Uma "mudança de paradigma" ou "revolução científica" ocorre quando anomalias e problemas que não podem ser resolvidos dentro do paradigma vigente se acumulam, levando eventualmente a uma crise e à aceitação de um novo paradigma que melhor explica os fenômenos observados.
Este conceito pode ser aplicado ao momento atual do mercado cripto, onde as mudanças propostas pelo governo do presidente Donald J. Trump via duas ordens executivas assinadas na última semana representam uma verdadeira mudança de paradigma. Estamos testemunhando o abandono do paradigma regulatório restritivo da era Biden-Gensler em favor de um novo modelo que abraça a inovação e liberdade financeira, uma transformação profunda que promete remodelar as estruturas basais do sistema financeiro tradicional.
Além dessas ordens executivas outros fatos marcantes da semana foram duas indicações estratégicas em específico: 1) a senadora de Wyoming Cynthia Lummis presidirá o Subcomitê de Ativos Digitais do Comitê Bancário do Senado e 2) a comissária da SEC libertária, Hester Peirce, liderará a força-tarefa de criptomoedas na SEC com o objetivo de criar um marco regulatório claro para ativos digitais.
A primeira ordem executiva significativa relacionada a criptomoedas, estabelecendo uma mudança fundamental na política do governo americano para o setor. A ordem revogou as diretrizes anteriores da administração Biden (Ordem Executiva 14067) - que havia estabelecido uma abordagem mais restritiva ao setor, focando em regulação intensiva e desenvolvimento de CBDCs. Esta nova ordem executiva assinada por Trump seguiu direção oposta: proibiu explicitamente o desenvolvimento de CBDCs, estabeleceu novas políticas pró-cripto e criou um Grupo de Trabalho Presidencial sobre Mercados de Ativos Digitais. Além disso, determinou que todas as agências federais revisassem suas regulamentações existentes sobre criptoativos em um prazo de 30 a 60 dias.
A segunda ordem executiva relevante focou especificamente na revogação da SAB 121, eliminando a exigência de que bancos e instituições financeiras incluíssem criptoativos custodiados em seus balanços patrimoniais. Embora mantendo requisitos de transparência e supervisão, esta ordem removeu um dos principais obstáculos regulatórios que impediam instituições financeiras tradicionais de participarem ativamente do mercado cripto, facilitando significativamente a oferta de serviços de custódia e outros produtos relacionados a criptomoedas por parte dos bancos.
O artigo de hoje focará tanto nestas duas ordens executivas, suas origens, suas motivações e também nestas duas indicações extremamente estratégicas o que elas representam como tendência para o futuro do ecossistema do Bitcoin e dos criptoativos em geral.
Proibição de CBDCs
É importante começar essa seção do texto contextualizando a Ordem Executiva 14067 de Joe Biden, sua origem e significado, para depois explicar as mudanças impostas por Trump na semana passada.
O que era a Ordem Executiva 14067 de Biden?
A Ordem Executiva 14067, assinada por Biden em março de 2022, refletia uma abordagem característica da ala progressista do Partido Democrata em relação às criptomoedas, fortemente influenciada por grupos que viam o setor como uma ameaça à estabilidade financeira e ao controle estatal da moeda. Apoiada por reguladores como Gary Gensler da SEC e por senadores como Elizabeth Warren, a ordem estabelecia um framework regulatório focado em proteção ao consumidor, preocupações ambientais relacionadas à mineração de Bitcoin e, principalmente, no desenvolvimento de uma CBDC (moeda digital do banco central). Esta última prioridade alinhava-se com os interesses do Federal Reserve e de grandes bancos comerciais, que viam nas CBDCs uma forma de manter seu controle sobre o sistema financeiro enquanto modernizavam a infraestrutura monetária, ao mesmo tempo em que buscavam limitar o crescimento do setor cripto privado.
O que Trump determinou sobre este assunto?
A proibição explícita do desenvolvimento de CBDCs (Central Bank Digital Currencies) na ordem executiva de Trump representa uma das medidas mais significativas e controversas do documento. A seção 5 da ordem não apenas proíbe agências governamentais de estabelecer, emitir ou promover CBDCs dentro da jurisdição dos Estados Unidos ou no exterior, mas também determina o encerramento imediato de quaisquer projetos ou iniciativas relacionadas a moedas digitais de banco central que estivessem em andamento. Esta decisão marca uma ruptura dramática com a administração anterior, que via as CBDCs como uma prioridade estratégica, e reflete uma visão política que considera as moedas digitais governamentais como uma ameaça à privacidade individual, à estabilidade financeira e à soberania do dólar americano.
A medida foi celebrada pela comunidade cripto, que tradicionalmente vê as CBDCs como uma forma de aumentar a vigilância estatal e o controle governamental sobre transações financeiras individuais.
Proteção a auto custódia e a mineração de Bitcoin
A ordem executiva assinada pelo presidente Trump inclui disposições específicas que protegem explicitamente direitos fundamentais no ecossistema Bitcoin. Na Seção 1(a)(i), o documento estabelece como política oficial da administração "proteger e promover a capacidade de cidadãos individuais e entidades do setor privado de acessar e usar redes blockchain públicas sem perseguição", incluindo especificamente o direito de participar em mineração e validação, além de manter a auto custódia de ativos digitais.
Esta linguagem é particularmente significativa porque estabelece, pela primeira vez em um documento oficial do governo americano, proteções explícitas para práticas fundamentais do Bitcoin como a mineração e a auto custódia. O texto também garante o direito de "transacionar com outras pessoas sem censura ilegal" e de "desenvolver e implementar software", criando assim um ambiente regulatório que protege não apenas os usuários finais, mas também os desenvolvedores e operadores de infraestrutura do ecossistema Bitcoin. Estas proteções representam uma mudança radical em relação à administração anterior, que frequentemente via estas atividades com suspeita ou como potenciais alvos de regulamentação restritiva.
SAB 121
A SAB 121 (Staff Accounting Bulletin 121), é uma diretriz contábil emitida pela SEC em março de 2022, transformou a forma como instituições financeiras lidam com a custódia de criptomoedas. Essa norma foi proposta e implementada pela SEC (Securities and Exchange Commission) durante a administração Biden, com Gary Gensler como presidente. A diretriz foi implementada em março de 2022, poucos meses após o colapso da FTX e em meio a uma série de falências de empresas cripto (Celsius, Voyager, etc.), que expuseram riscos significativos na custódia de ativos digitais
Seu principal requisito estabeleceu que bancos registrem em seu balanço tanto o ativo (as criptos custodiadas) quanto um passivo de igual valor, efetivamente dobrando sua exposição contábil - por exemplo, se um banco custodia $1 bilhão em Bitcoin para seus clientes, ele precisa contabilizar essa mesma quantidade como uma responsabilidade em seu balanço.
Esta exigência teve implicações profundas para o setor, pois forçou as instituições a manterem níveis significativamente mais altos de capital regulatório, tornando a custódia de criptomoedas muito mais cara que a custódia de ativos tradicionais. Na prática, a SAB 121 funcionava como uma barreira regulatória que dificultava a entrada de instituições financeiras tradicionais no mercado de custódia de criptomoedas, limitando significativamente a expansão desses serviços no sistema financeiro tradicional.
Então, mesmo que a motivação inicial para essa diretriz contábil fosse bem intencionada, o que não necessariamente é verdadeiro visto toda a atuação da administração Biden na Operação Chokepoint 2, suas consequências práticas foram um entrave para o amadurecimento do ecossistema do Bitcoin e sua integração ao mercado tradicional.
SAB 122
A SAB 122 (Staff Accounting Bulletin 122) trata de mudanças na orientação contábil para instituições financeiras que lidam com a custódia de criptomoedas. Ela revoga a SAB 121, que lidava com a contabilização de obrigações de proteção de criptoativos. A partir de agora, se uma empresa tem a responsabilidade de proteger esses criptoativos, ela precisa decidir se deve registrar algum tipo de "dívida" ou "risco" no seu balanço financeiro.
Essa mudança deve ser aplicada para os relatórios financeiros de anos que começam depois de 15 de dezembro de 2024, mas podem começar a fazer isso antes se quiserem. Quando mudarem a maneira de contabilizar isso pela primeira vez, as empresas precisarão explicar bem essa mudança nos seus relatórios. Além disso, as empresas precisam continuar a ser transparentes e a informar claramente sobre esses criptoativos a seus clientes, de forma que os investidores entendam bem os riscos envolvidos. Em resumo, é uma atualização para garantir que a contabilidade desses ativos digitais seja feita de maneira mais clara e consistente.
Ou seja, esta nova regulamentação remove a exigência de que instituições financeiras contabilizem criptomoedas custodiadas como parte de seus balanços patrimoniais, embora mantenha padrões estritos de supervisão e divulgação de informações. Como resultado, bancos e outras instituições financeiras terão maior flexibilidade para oferecer serviços relacionados a criptomoedas, incluindo custódia, já que não precisarão mais manter níveis extraordinários de capital regulatório para essas operações.
A mudança terá consequências significativas para o Bitcoin: com bancos tradicionais podendo operar mais livremente no setor cripto devido ao ambiente regulatório mais claro, haverá um aumento substancial tanto na liquidez quanto na participação de investidores institucionais no mercado. Essa transformação deve remodelar completamente a maneira como capital corporativo e institucional flui para o mercado de criptoativos.
Imagem 1. O presidente Donald J. Trump mostrando uma ordem executiva assinada por ela na semana passada.
A revogação da SAB 121 pela SAB 122 deve desencadear uma entrada gradual dos bancos tradicionais no mercado de criptomoedas, começando inicialmente com serviços básicos de custódia. Esta abordagem cautelosa permitirá que as instituições financeiras "molhem os pés" no setor, desenvolvendo expertise operacional e compreensão mais profunda do mercado enquanto gerenciam riscos de forma controlada.
Vale ressaltar que os ETFs de Bitcoin se tornaram o maior lançamento de um produto financeiro da história e os bancos estavam de fora e não puderam, pelo menos até agora, participar da divisão dos lucros advindos da integração do Bitcoin ao mercado tradicional. O sucesso do lançamento dos ETFs também sinaliza aos bancos tradicionais que não podem mais ignorar este mercado se quiserem manter sua relevância e participação no setor financeiro.
Com o tempo, à medida que forem ganhando confiança e experiência no setor, espera-se que os bancos evoluam para oferecer produtos mais sofisticados. Isso pode incluir empréstimos usando o Bitcoin como garantia, serviços de trading, produtos estruturados e eventualmente uma gama completa de serviços financeiros integrados com ativos digitais. Esta progressão natural de serviços básicos para mais complexos deve criar um ambiente onde criptoativos se tornem cada vez mais integrados ao sistema financeiro tradicional, com os bancos buscando ativamente garantir sua fatia deste mercado em rápida expansão.
O Subcomitê de Ativos Digitais do Senado
A senadora Cynthia Lummis foi indicada para presidir o Subcomitê de Ativos Digitais do Comitê Bancário do Senado. Para entender a relevância desta notícia é preciso entender duas coisas: quem é a senadora Cynthia Lummis e qual o papel e a importância do Comitê Bancário do Senado america.
Quem é Cynthia Lummis?
A senadora republicana Cynthia Lummis, do estado de Wyoming, é uma das principais vozes pró-Bitcoin no Congresso americano. Ela se destaca por ser a primeira senadora americana conhecida por possuir Bitcoin, tendo feito sua primeira compra em 2013 quando o preço estava em torno de $330. Além de sua experiência pessoal como investidora de longo prazo, Lummis tem sido uma defensora ativa de políticas favoráveis às criptomoedas durante seu mandato no Senado, que começou em 2021. Em 2024, durante a conferência Bitcoin Nashville, ela propôs o Bitcoin Act, uma legislação que busca estabelecer o Bitcoin como ativo de Reserva Estratégica dos Estados Unidos, demonstrando sua visão de longo prazo para a integração do Bitcoin no sistema financeiro americano.
O maior impacto de Lummis no ecossistema cripto veio através do projeto de lei bipartidário conhecido como "Lummis-Gillibrand Responsible Financial Innovation Act", proposto em conjunto com a senadora democrata Kirsten Gillibrand. Esta legislação abrangente visava criar um framework regulatório completo para ativos digitais nos Estados Unidos, incluindo classificação clara de tokens, regras para stablecoins, e diretrizes para tributação de criptomoedas, entretanto o projeto não ganhou tração suficiente para ser pautado no congresso americano de 2023-2024. Lummis também se destacou por suas críticas à SEC sob Gary Gensler e sua defesa consistente do Bitcoin como reserva de valor e ativo de proteção contra a inflação.
Imagem 2. Tweet da própria senadora Cynthia Lummis com a legenda "permita que eu me apresente”e a foto com os olhos de laser, que ficou associada aos bitcoiners no ciclo passado. (Fonte: https://x.com/SenLummis/status/1882944472486412688 )
O que é o Comitê Bancário do Senado?
O Comitê Bancário do Senado (Senate Banking Committee) é um dos comitês mais importantes do Senado americano, responsável por supervisionar questões financeiras e bancárias.
O fato de existir um Subcomitê específico para Ativos Digitais demonstra a crescente importância das criptomoedas e tecnologias blockchain na política americana. Este subcomitê seria responsável por:
Realizar audiências sobre temas relacionados a criptomoedas
Propor e avaliar legislações sobre ativos digitais
Supervisionar a regulamentação do setor
Interagir com reguladores como SEC e CFTC em assuntos relacionados a criptomoedas
A presidência de um subcomitê deste nível é uma posição de considerável influência na definição de políticas e regulamentações para o setor de criptomoedas nos Estados Unidos. Essa presidência de subcomitês no Senado dos Estados Unidos é determinada por um processo que envolve vários fatores e níveis de decisão. O partido que detém a maioria no Senado controla a distribuição das presidências dos comitês e subcomitês, com a liderança do partido majoritário fazendo as indicações. Estas escolhas consideram principalmente a sua experiência e especialização na área em questão, além de outros fatores políticos e estratégicos. As indicações precisam ser aprovadas pelo Comitê de Organização do Senado do partido majoritário - no caso atual, o Republicano após as eleições de 2024.
No caso específico da senadora Lummis, sua indicação para presidir o Subcomitê de Ativos Digitais reflete tanto seu histórico de expertise e advocacia no setor de criptomoedas quanto sua capacidade de trabalhar de forma bipartidária nesta área, tendo sido a escolha natural da liderança republicana do Senado para esta posição estratégica.
Sobre a indicação ao cargo em questão, a senadora Lummis comentou:
"Os ativos digitais são o futuro, e se os Estados Unidos querem manter sua liderança global em inovação financeira, o Congresso precisa aprovar urgentemente uma legislação bipartidária que estabeleça um marco legal abrangente para ativos digitais e que fortaleça o dólar americano com uma reserva estratégica de bitcoin. Me sinto honrada que meus colegas tenham depositado sua confiança em mim para presidir este subcomitê histórico e espero conduzir uma legislação bipartidária até a mesa do Presidente Trump ainda este ano que garanta nosso futuro financeiro."
A "Mãe das Cripto” proporá as novas regulações da SEC
Hester Peirce é uma comissária da SEC (Securities and Exchange Commission) desde 2018, conhecida por sua postura consistentemente favorável à inovação no setor de criptomoedas e por frequentemente discordar das abordagens regulatórias mais restritivas de seus colegas, especialmente durante a gestão de Gary Gensler. Ela ganhou o apelido carinhoso de "Crypto Mom" (Mãe das Criptos) da comunidade cripto devido à sua defesa persistente do setor e sua argumentação por um marco regulatório mais claro e favorável à inovação.
O apelido surgiu particularmente após suas manifestações dissidentes em várias decisões da SEC que rejeitavam ETFs de Bitcoin e suas propostas para criar um "porto seguro" regulatório que permitiria que projetos de criptomoedas se desenvolvessem sem medo imediato de ação regulatória. Peirce é especialmente reconhecida por suas críticas articuladas à abordagem "regulação por execução" da SEC e por defender consistentemente que a agência deveria criar regras claras para o setor cripto em vez de regular através de ações punitivas.
Em uma participação de podcast no final de 2024, Hester Peirce disse que o que a deixaria mais feliz em 2025 seria se ninguém mais falasse sobre a SEC em conferências de criptomoedas: "Eu quero que as pessoas cheguem ao ponto onde... elas passem seu tempo falando sobre a tecnologia e seu potencial". Outra frase relevante para entender o pensamento da comissária Peirce é: “Nós reconhecemos que o token em si não é um valor mobiliário; isso é algo que deveríamos ter reconhecido há muito tempo. ”
Por que é importante entender quem é a Hester Peirce? Pois ela acabou de ser designada para liderar a força-tarefa de criptomoedas na SEC com o objetivo de criar um marco regulatório claro para ativos digitais. Em outras palavras, uma pessoa extremamente pró-cripto cuidará da regulação do setor e a expectativa é que a política coercitiva marcada pela administração passada seja totalmente interrompida.
Imagem 3. Comentário da Hester Peirce, também conhecida como Crypto Mom, comemorando a revogação da SAB 121 e promulgação da SAB 122 (Fonte: https://x.com/HesterPeirce/status/1882562977985114185 )
E a Reserva Estratégica?
Vocês devem ter reparado que ao comentar as ordens executivas de Donald J. Trump o artigo deixou de fora o tema "Reserva Estratégica de Bitcoin". Isso não foi por acaso. Para comentar sobre este tema em específico, era necessário antes contextualizar quem é a senadora Cynthia Lummis. Agora, com essa contextualização feita, vamos ao tema em si.
A Seção 4(c)(ii) da ordem executiva que Trump assinou dia 23 de janeiro de 2025, criou o Grupo de Trabalho Presidencial sobre Mercados de Ativos Digitais a "avaliar a potencial criação e manutenção de uma reserva nacional de ativos digitais e propor critérios para estabelecer tal reserva, potencialmente derivada de criptomoedas legalmente apreendidas pelo Governo Federal através de seus esforços de aplicação da lei." Esta diretriz marca a primeira vez que um documento oficial do governo americano considera explicitamente a criação de uma reserva estratégica de Bitcoin.
É importante notar que esta ordem não estabelece diretamente uma Reserva Estratégica de Bitcoin, como muitos entusiastas do Bitcoin esperavam. Com isso, a sensação de alguns foi agridoce. O que essa ordem executiva fez foi iniciar um processo formal de estudo e planejamento. O Grupo de Trabalho tem 180 dias a partir da data da ordem executiva para submeter um relatório ao Presidente com recomendações regulatórias e legislativas, incluindo esta proposta específica sobre a reserva estratégica. Este prazo coloca a data limite para apresentação do relatório em julho de 2025.
A sensação agridoce dessa ordem também deriva do fato que ela não cita especificamente o Bitcoin como ativo de reserva e sim a possibilidade de uma reserva de criptoativos. As pessoas estão interpretando erroneamente a generalidade da ordem executiva como um endosso as altcoins em geral. Na verdade, foi uma ordem para desenvolver um arcabouço para uma reserva de ativos digitais e para que as agências parem de vender ativos confiscados até que o plano seja elaborado. É totalmente normal que a ordem executiva não entre em especificidades neste momento, deferindo às recomendações formais do grupo de trabalho.
O governo Trump está implementando uma quantidade massiva de políticas simultaneamente, e esta ordem foi claramente uma tentativa de encerrar debates internos sobre detalhes específicos para iniciar o processo, junto com as outras milhares de prioridades da administração. A alternativa seria ficar atolado e atrasado por especificidades.
Gostemos ou não, apoiadores de altcoins ajudaram a eleger Trump, e sua agenda não era apenas apoiar Bitcoin, mas também "ajudar empresas americanas que inovam no espaço cripto", e estas pessoas também serão escutadas. Em outras palavra: Trump não é e nem nunca foi bitcoin only.
Para uma verdadeira Reserva Estratégica de Bitcoin, precisamos que o projeto da senadora Lummis passe pelo Congresso, que é o caminho mais apropriado para novas compras, considerando a separação de poderes.
A possibilidade de criação de uma reserva estratégica de Bitcoin pelos Estados Unidos tem implicações geopolíticas significativas. Tal movimento poderia desencadear uma corrida global por Bitcoin entre nações soberanas, similar ao que historicamente ocorreu com o ouro. A menção específica a "criptomoedas legalmente apreendidas" como possível fonte inicial para esta reserva é particularmente interessante, pois sugere uma forma do governo começar a acumular Bitcoin sem necessidade imediata de compras no mercado aberto, potencialmente utilizando ativos já sob controle federal provenientes de apreensões anteriores.
De acordo com a Seção 4(a) da ordem executiva, o Grupo de Trabalho será presidido por David Sacks, que foi nomeado por Trump como Conselheiro Especial de Cripto e IA, e incluirá os seguintes membros ou seus representantes:
1. Secretário do Tesouro
2. Procurador-Geral (Attorney General)
3. Secretário do Comércio
4. Secretário de Segurança Interna
5. Diretor do Escritório de Gestão e Orçamento
6. Assistente do Presidente para Assuntos de Segurança Nacional
7. Assistente do Presidente para Política Econômica Nacional
8. Assistente do Presidente para Ciência e Tecnologia
9. Conselheiro de Segurança Interna
10. Presidente da SEC (Securities and Exchange Commission)
11. Presidente da CFTC (Commodity Futures Trading Commission)
Dentre estes, vale destacar em especial:
David Sacks, Conselheiro Especial de Cripto e IA: Fortemente pró-cripto, com histórico de investimentos no setor e declarações públicas favoráveis à inovação e contra regulação excessiva.
Paul Atkins, Presidente da SEC: Conhecido por sua postura favorável às criptomoedas, tendo criticado consistentemente a abordagem regulatória agressiva da SEC sob Gary Gensler.
Scott Bessent, Secretário do Tesouro: Tem histórico de apoio a inovações financeiras e demonstrou visão positiva sobre Bitcoin como reserva de valor.
Howard Lutnick, Secretário do Comércio: CEO da Cantor Fitzgerald, tem se destacado no mercado cripto principalmente por suas declarações otimistas sobre Bitcoin e por ter direcionado sua empresa a desenvolver uma infraestrutura robusta para negociação de ativos digitais
Em suma, são nomes com um viés fortemente favorável ao tema, o que significa que a tendência é que a Reserva Estratégica de Bitcoin saia do papel no final dos trabalhos deste grupo.
A ordem também permite que David Sacks convide outros chefes de departamentos executivos, agências ou oficiais seniores do Gabinete Executivo do Presidente para participar das reuniões do Grupo de Trabalho, baseado na relevância de sua expertise e responsabilidades.
Manter o confisco ou expandir as reservas?
A distinção entre "stockpile" e "strategic reserve" é crucial para entender as diferentes abordagens possíveis para os ativos digitais do governo americano. Assim como seu discurso na Bitcoin Conference de Nashville, em 2024, a ordem executiva de Trump, ao mencionar "digital asset stockpile", sugere uma reorganização dos ativos digitais já em posse do governo - principalmente Bitcoin proveniente de apreensões como a Silk Road e do hack da Bitfinex. Esta abordagem é mais conservadora e de implementação mais simples, pois não requer novas alocações orçamentárias ou aprovações legislativas complexas.
No cenário em que os Estados Unidos estabeleçam uma reserva ("stockpile") utilizando apenas os ativos digitais já sob sua custódia, a composição seria dominada pelo Bitcoin. Segundo dados da Arkham, embora a reserva inclua diversos criptoativos provenientes de apreensões e confiscos, aproximadamente 97% do valor total está concentrado em Bitcoin.
Imagem 4. Segundo dados da Arkham, estes são os ativos digitais que os Estados Unidos atualmente detém em volume maior que US$ 1 milhão. Do valor total, cerca de 97% é referente ao Bitcoin. (Fonte: https://intel.arkm.com/explorer/entity/usg)
Em contraste, o Bitcoin Act proposto pela senadora Cynthia Lummis também durante a conferência Bitcoin Nashville em 2024 apresenta uma visão muito mais ambiciosa. O projeto propõe a criação de uma verdadeira "strategic reserve", que incluiria não apenas os ativos já confiscados, mas também um programa de compras ativas de Bitcoin. O plano prevê a venda de parte do ouro do governo americano para adquirir 1 milhão de Bitcoin (aproximadamente 5% da oferta total), além de permitir que os estados americanos mantenham suas próprias reservas separadamente.
A diferença entre as duas abordagens é significativa tanto em escopo quanto em impacto potencial. Enquanto a proposta de Trump representa uma mudança incremental na gestão de ativos já existentes, o plano de Lummis poderia desencadear uma corrida global por Bitcoin entre nações soberanas, potencialmente reconfigurando o sistema financeiro global. O impacto no preço e na adoção do Bitcoin seria substancialmente maior no cenário do Bitcoin Act, sinalizando um comprometimento mais profundo do governo americano com ativos digitais.
Como o mercado reagiu a tudo isso?
No dia 23 de janeiro de 2025, o mercado de Bitcoin viveu um dia de intensa volatilidade em resposta a uma série de eventos políticos nos Estados Unidos. A expectativa era alta após a senadora Lummis anunciar em seu perfil no X que tinha um comunicado importante a fazer, levando muitos a especular sobre uma possível ordem executiva estabelecendo Bitcoin como ativo de reserva estratégica.
No entanto, quando as ordens executivas de Trump sobre criptomoedas foram finalmente divulgadas, junto com a nomeação de Lummis para presidir o Subcomitê de Ativos Digitais do Senado, a reação do mercado foi agridoce, com o preço do Bitcoin atingindo brevemente $109.071 - uma nova máxima histórica - antes de recuar significativamente.
O volume de negociação dos ETFs de Bitcoin neste dia foi expressivo, registrando o segundo maior volume desde seu lançamento no ano anterior. Este alto volume demonstrou como investidores institucionais estavam ativamente respondendo às mudanças no ambiente regulatório, aproveitando os ETFs como veículo para ajustar suas exposições ao Bitcoin. A combinação de notícias significativas e a facilidade de acesso proporcionada pelos ETFs, assim como a aprovação das opções no final do ano passado, criou um ambiente de negociação particularmente dinâmico.
Imagem 5. Os ETFs de Bitcoin viram seu segundo maior volume diário de negociação no dia 23 de janeiro, quando as ordens executivas foram assinadas e a senadora Cynthia Lummis foi nomeada para presidir o Subcomitê de Ativos Digitais. (Fonte: https://www.theblock.co/data/crypto-markets/bitcoin-etf/bitcoin-spot-etf-volumes)
A volatilidade observada durante o período inicial do governo Trump, com a grande expectativa do mercado e seus diversos anúncios relacionados a criptomoedas, foi significativa, mas se manteve dentro dos padrões históricos do mercado de Bitcoin. Esta característica ficou evidente quando comparamos com outros eventos recentes, como os movimentos de baixo observados tanto no dia 7 de janeiro (-5%) como no dia 26 de janeiro (-7%). O mercado de Bitcoin tradicionalmente apresenta movimentos bruscos de preço, independentemente das notícias serem positivas ou negativas, e mesmo com mudanças fundamentais no cenário regulatório e institucional, o comportamento do preço manteve seu padrão característico de alta volatilidade.
Imagem 6. A volatilidade do período inicial do governo Trump, baseado nas expectativas nos anúncios relacionados a cripto foi grande, mas nada muito diferente de outros momentos como a queda do dia 07 de janeiro ou a queda do dia 26 de janeiro ilustram
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Excelente matéria, Caio!
Artigo muito esclarecedor, parabéns!!