A Reserva Estratégica Americana
Habemus Reserva Estratégica de Bitcoin americana. Mas o que isso significa? Na prática, quais devem ser os efeitos associados a criação desta reserva?
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Pontos Principais do artigo:
Principais pontos sobre a Reserva Estratégica de Bitcoin dos EUA
Criação e estrutura oficial: Em 6 de março de 2025, o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva estabelecendo a Reserva Estratégica de Bitcoin (REB) e o Estoque de Ativos Digitais dos EUA, reconhecendo o Bitcoin como ativo estratégico nacional.
Composição da reserva: A REB será capitalizada inicialmente com aproximadamente 200.000 BTC (US$17,5 bilhões) provenientes de confiscos em processos criminais ou civis. Estes Bitcoins não poderão ser vendidos.
Distinção Bitcoin vs. criptomoedas: A ordem executiva estabelece uma clara diferenciação entre Bitcoin e outras criptomoedas. Enquanto o Bitcoin é tratado como reserva estratégica que pode ser ampliada, as demais criptomoedas são mantidas em um estoque separado sem planos de expansão.
Estratégia de aquisição: O Secretário do Tesouro e o Secretário do Comércio estão autorizados a desenvolver estratégias para adquirir mais Bitcoin, desde que sejam "neutras em termos orçamentários" — sem impacto aos contribuintes.
Gestão e supervisão: A administração da REB ficará sob responsabilidade do Departamento do Tesouro, com supervisão de Scott Bessent (Secretário do Tesouro) e Howard Lutnick (Secretário do Comércio), ambos conhecidos defensores do Bitcoin.
Impacto no mercado: A reação inicial foi mista, com uma queda temporária de preço ("sell the news"), mas o reconhecimento do Bitcoin como ativo estratégico pelo governo americano representa uma legitimação sem precedentes.
Eliminação da incerteza regulatória: A criação da REB reduz drasticamente as chances de um banimento futuro do Bitcoin nos EUA e elimina a incerteza regulatória, que era o principal obstáculo para adoção institucional.
Impacto geopolítico: A decisão dos EUA pode desencadear uma corrida global por Bitcoin sob a ótica da teoria dos jogos, com outros países (como Coreia do Sul) já considerando estratégias semelhantes para não ficarem em desvantagem competitiva.
Visão estratégica de longo prazo: O plano proposto por Michael Saylor sugere que o governo adquira entre 5% e 25% do suprimento total de Bitcoin até 2035, buscando posicionar os EUA como líder na economia digital.
Significado histórico: Além dos aspectos econômicos, a legitimação do Bitcoin por uma potência mundial representa um marco para a liberdade financeira individual e uma mudança de paradigma no sistema monetário global.
Em 6 de março de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou uma ordem executiva que estabelece a Reserva Estratégica de Bitcoin (REB) e o Estoque de Ativos Digitais dos EUA. O objetivo dessa iniciativa é consolidar o Bitcoin como um ativo estratégico nacional e organizar a gestão de outros ativos digitais sob posse do governo. A medida reflete um posicionamento mais assertivo dos EUA em relação às criptomoedas, buscando tanto a proteção de seus ativos digitais quanto a criação de uma estrutura formal para lidar com esses novos instrumentos financeiros. Ao reconhecer o Bitcoin como uma reserva de valor, o governo sinaliza sua intenção de integrar essa tecnologia à estratégia econômica do país de maneira estruturada.
A Reserva Estratégica de Bitcoin será composta pelas moedas de Bitcoin confiscadas em processos criminais ou civis e, ao contrário de outros ativos digitais, essas moedas não poderão ser vendidas. Isso significa que o governo está estabelecendo uma reserva de longo prazo, semelhante às reservas de ouro mantidas por bancos centrais, garantindo que esses ativos sejam preservados e utilizados de forma estratégica. Esse movimento reforça a visão do Bitcoin como uma forma de reserva de valor digital, comparável a ativos tradicionais utilizados para proteger a economia em momentos de incerteza.
Além disso, a ordem executiva cria o Estoque de Ativos Digitais dos EUA, que reunirá as outras criptomoedas confiscadas pelo governo. Diferentemente do Bitcoin mantido na reserva estratégica, essas criptomoedas poderão ser gerenciadas de forma mais ativa, permitindo vendas e realocações conforme as necessidades do Departamento do Tesouro. Essa distinção reflete o entendimento de que, embora o Bitcoin tenha se consolidado como um ativo seguro e descentralizado, outras criptomoedas podem apresentar riscos mais elevados devido à sua volatilidade e menor aceitação no mercado global.
A motivação para a criação da Reserva Estratégica de Bitcoin e do Estoque de Ativos Digitais pode ser sintetizado pela frase de David Sacks: “Vendas prematuras de Bitcoin já custaram aos contribuintes americanos mais de 17 bilhões de dólares em valor perdido. Agora o governo federal terá uma estratégia para maximizar o valor de suas participações.”
Image 1. A evolução do Bitcoin, desde o primerio fórum no Reddit, quando o ativo ganhou o apelido carinhoso de "dinheiro mágico da internet” até os dias de hoje, quando o ativo ganhou reconhecimento formal da Casa Branca sobre sua importância estratégica para o longo prazo dos Estados Unidos.
Outro aspecto importante da ordem executiva é a autorização para que Scott Bessent e Howard Lutnick, que são os Secretários do Tesouro e do Comércio respectivamente, desenvolvam estratégias para ampliar a REB de maneira orçamentariamente neutra, garantindo que essas aquisições não resultem em custos adicionais para os contribuintes americanos. Isso abre espaço para alternativas como o uso de ativos já detidos pelo governo para financiar a aquisição de mais Bitcoin sem recorrer a novas emissões de dívida ou aumento de impostos. Com essa medida, os EUA não apenas reconhecem o valor do Bitcoin, mas também tomam medidas concretas para aumentar sua exposição ao ativo de maneira responsável e financeiramente sustentável.
No artigo de hoje, vamos nos aprofundar neste evento histórico, seu significado e possíveis implicações de curto, médio e longo prazo.
Imagem 2. Encontro para discutir questões relacionadas ao Bitcoin e demais criptomoedas que ocorreu na última sexta feira, dia 07 de março. Na foto aparecem nomes de peso como Howard Lutnick, Secretário do Comércio da gestão atual, Scott Bessent, Secretário do Tesouro, o presidente Donald Trump, David Sacks, o conselheiro para assuntos relacionados com criptomoedas e inteligência artificial da atual gestão, Brian Armstrong, fundador da Coinbase, e Michael Saylor, principal acionista da Strategy, empresa que detém o maior número de moedas de Bitcoin em balanço. Fonte: X da Casa Branca
A Ordem Executiva na íntegra
A seguir, apresentamos a tradução completa da Ordem Executiva que estabelece uma Reserva Estratégica de Bitcoin para os Estados Unidos e foi assinada pelo Presidente Donald Trump em 6 de março de 2025. Este documento representa uma mudança significativa na política governamental americana em relação às criptomoedas. Para leitores que preferem ir diretamente à análise interpretativa e suas implicações para o mercado global, você pode avançar para a próxima seção do artigo, intitulada "Reação agridoce do mercado"..
Ordem Executiva sobre Reserva Estratégica de Bitcoin
Pela autoridade investida em mim como Presidente pela Constituição e pelas leis dos Estados Unidos da América, é ordenado:
Seção 1. Antecedentes. Bitcoin é a criptomoeda original. O protocolo Bitcoin limita permanentemente o fornecimento total de bitcoin (BTC) a 21 milhões de moedas, e nunca foi hackeado. Como resultado de sua escassez e segurança, o Bitcoin é frequentemente referido como "ouro digital". Como existe um suprimento fixo de BTC, há uma vantagem estratégica em estar entre as primeiras nações a criar uma reserva estratégica de bitcoin. O Governo dos Estados Unidos atualmente possui uma quantidade significativa de BTC, mas não implementou uma política para maximizar a posição estratégica do BTC como um meio único de reserva de valor no sistema financeiro global. Assim como é do interesse do nosso país gerenciar cuidadosamente a propriedade e o controle nacional de qualquer outro recurso, nossa Nação deve aproveitar, não limitar, o poder dos ativos digitais para nossa prosperidade.
Seção 2. Política. É política dos Estados Unidos estabelecer uma Reserva Estratégica de Bitcoin. É ainda política dos Estados Unidos estabelecer um Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos que possa servir como uma conta segura para a gestão ordenada e estratégica de outros ativos digitais dos Estados Unidos.
Seção 3. Criação e Administração da Reserva Estratégica de Bitcoin e do Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos.
(a) O Secretário do Tesouro estabelecerá um escritório para administrar e manter o controle de contas de custódia coletivamente conhecidas como "Reserva Estratégica de Bitcoin", capitalizada com todo o BTC mantido pelo Departamento do Tesouro que foi definitivamente confiscado como parte de processos de confisco de ativos criminais ou civis ou em satisfação de qualquer penalidade monetária civil imposta por qualquer departamento ou agência executiva (agência) e que não seja necessário para satisfazer requisitos sob 31 U.S.C. 9705 ou liberado conforme a subseção (d) desta seção (BTC Governamental). Dentro de 30 dias da data desta ordem, cada agência revisará suas autoridades para transferir qualquer BTC Governamental mantido por ela para a Reserva Estratégica de Bitcoin e submeterá um relatório refletindo o resultado dessa revisão ao Secretário do Tesouro. O BTC Governamental depositado na Reserva Estratégica de Bitcoin não será vendido e será mantido como ativos de reserva dos Estados Unidos utilizados para atender objetivos governamentais de acordo com a lei aplicável.
(b) O Secretário do Tesouro estabelecerá um escritório para administrar e manter o controle de contas de custódia coletivamente conhecidas como "Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos", capitalizado com todos os ativos digitais de propriedade do Departamento do Tesouro, exceto BTC, que foram definitivamente confiscados como parte de processos de confisco de ativos criminais ou civis e que não são necessários para satisfazer requisitos sob 31 U.S.C. 9705 ou liberados conforme a subseção (d) desta seção (Ativos de Estoque). Dentro de 30 dias da data desta ordem, cada agência revisará suas autoridades para transferir quaisquer Ativos de Estoque mantidos por ela para o Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos e submeterá um relatório refletindo o resultado dessa revisão ao Secretário do Tesouro. O Secretário do Tesouro determinará estratégias para a administração responsável do Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos de acordo com a lei aplicável.
(c) O Secretário do Tesouro e o Secretário de Comércio desenvolverão estratégias para adquirir BTC Governamental adicional, desde que tais estratégias sejam neutras em termos orçamentários e não imponham custos incrementais aos contribuintes dos Estados Unidos. No entanto, o Governo dos Estados Unidos não adquirirá Ativos de Estoque adicionais que não sejam relacionados a processos de confisco de ativos criminais ou civis ou em satisfação de qualquer penalidade monetária civil imposta por qualquer agência sem ação executiva ou legislativa adicional.
(d) "Ativos Digitais Governamentais" significa todo BTC Governamental e todos os Ativos de Estoque. O chefe de cada agência não venderá ou disporá de outra forma de quaisquer Ativos Digitais Governamentais, exceto em conexão com o exercício pelo Secretário do Tesouro de sua autoridade legal e administração responsável do Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos de acordo com a subseção (b) desta seção, ou de acordo com uma ordem de um tribunal de jurisdição competente, conforme exigido por lei, ou em casos em que o Procurador-Geral ou outro chefe de agência relevante determine que os Ativos Digitais Governamentais (ou os rendimentos da venda ou disposição dos mesmos) podem e devem: (i) ser devolvidos a vítimas identificáveis e verificáveis de crime; (ii) ser usados para operações de aplicação da lei; (iii) ser compartilhados equitativamente com parceiros estaduais e locais de aplicação da lei; ou (iv) ser liberados para satisfazer requisitos sob 31 U.S.C. 9705, 28 U.S.C. 524(c), 18 U.S.C. 981, ou 21 U.S.C. 881.
(e) Dentro de 60 dias da data desta ordem, o Secretário do Tesouro entregará uma avaliação das considerações legais e de investimento para estabelecer e gerenciar a Reserva Estratégica de Bitcoin e o Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos no futuro, incluindo as contas nas quais a Reserva Estratégica de Bitcoin e o Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos devem estar localizados e a necessidade de qualquer legislação para operacionalizar qualquer aspecto desta ordem ou a gestão e administração adequadas de tais contas.
Seção 4. Contabilidade. Dentro de 30 dias da data desta ordem, o chefe de cada agência fornecerá ao Secretário do Tesouro e ao Grupo de Trabalho do Presidente sobre Mercados de Ativos Digitais uma contabilidade completa de todos os Ativos Digitais Governamentais na posse de tal agência, incluindo qualquer informação sobre as contas de custódia nas quais tais Ativos Digitais Governamentais são atualmente mantidos que seria necessária para facilitar uma transferência dos Ativos Digitais Governamentais para a Reserva Estratégica de Bitcoin ou o Estoque de Ativos Digitais dos Estados Unidos. Se tal agência não possuir Ativos Digitais Governamentais, tal agência confirmará tal fato ao Secretário do Tesouro e ao Grupo de Trabalho do Presidente sobre Mercados de Ativos Digitais dentro de 30 dias da data desta ordem.
Seção 5. Disposições Gerais. (a) Nada nesta ordem será interpretado para prejudicar ou afetar de outra forma: (i) a autoridade concedida por lei a um departamento ou agência executiva, ou seu chefe; ou (ii) as funções do Diretor do Escritório de Gestão e Orçamento relativas a propostas orçamentárias, administrativas ou legislativas.
(b) Esta ordem será implementada de forma consistente com a lei aplicável e sujeita à disponibilidade de dotações.
(c) Esta ordem não pretende, e não cria, qualquer direito ou benefício, substantivo ou processual, aplicável por lei ou em equidade por qualquer parte contra os Estados Unidos, seus departamentos, agências ou entidades, seus oficiais, funcionários ou agentes, ou qualquer outra pessoa.
CASA BRANCA, 6 de março de 2025
Imagem 3. Post no X feito pela conta oficial da Casa Branca anunciando a Reserva Estratégica de Bitcoin e o Estoque de Ativos Digitais com a legenda “Os Estados Unidos serão a superpotencial mundial do Bitcoin. A Era de Ouro dos Estados Unidos começou". Em outras palavras, o post feita pela conta da Casa Branca associa diretamente a criação de uma reserva de Bitcoin com uma Era Dourada para os Estados Unidos. Fonte: X da Casa Branca
Reação agridoce do mercado
A reação no ecossistema foi mista. Muitos esperavam que o governo anunciasse a criação de uma reserva e já iniciasse as compras de Bitcoin no mesmo momento, o que não aconteceu. Isso gerou uma queda no preço do Bitcoin no momento do anúncio, quando houve uma queda de quase US$90.000 para US$85.000, caracterizando um clássico caso de "sell the news", evento conhecido no mercado de investimento que ocorreu quando uma notícia positiva faz o preço de um ativo cair.
Imagem 4. Reação do preço do Bitcoin no momento do anúncio da criação da Reserva Estratégica de Bitcoin pelos Estados Unidos.
Contudo, interpretar essa decisão apenas como "não vender, mas não comprar mais Bitcoin" é uma visão de curto prazo. O ponto central desta ordem executiva é que a maior economia do mundo está reconhecendo o Bitcoin como um ativo estratégico. Além disso, a ordem executiva distingue claramente o Bitcoin das altcoins, tratando-o de forma diferenciada. Enquanto as altcoins não serão comparadas, o Bitcoin é visto como um ativo que vale a pena acumular. O Secretário do Tesouro, Bessent, e o Secretário do Comércio, Lutnick, estão autorizados a desenvolver estratégias para adquirir mais Bitcoin, desde que o orçamento permaneça neutro, ou seja, sem impactar os contribuintes. Essa abordagem faz sentido dentro da estratégia política de Trump, evitando associar a compra de Bitcoin à impressão ou captação de dinheiro.
O sentimento bearish no mercado parece infundado quando se observa o contexto mais amplo das ações do governo Trump em relação ao Bitcoin. Em vez de interpretar a recente volatilidade como um sinal negativo, deve-se reconhecer que a administração está construindo bases sólidas para a adoção institucional do ativo.
A criação da reserva estratégica de Bitcoin é apenas um dos pilares da estratégia da atual administração americana, que inclui também a substituição da SAB 121 pela SAB 122, fornecendo um ambiente mais favorável para a custódia de Bitcoin por bancos e instituições financeiras, bem como atuação da Heister Pierce na SEC e da Cynthia Lummis no Senado americano (conforme comentamos detalhadamente neste relatório aqui). Além disso, a sinalização de um fundo soberano para aquisição de Bitcoin, combinada com maior clareza regulatória, cria um ecossistema onde a moeda digital se torna cada vez mais integrada à estrutura econômica do país. Esse conjunto de ações não apenas minimiza os riscos regulatórios, mas também pavimenta o caminho para uma maior adoção do Bitcoin como ativo estratégico, consolidando sua posição na economia global.
Ah, e vale sempre lembrar que o Secretário do Comércio, Howard Lutnick, co-responsável pela gestão do fundo soberano americano e da REB, apareceu em um podcast em outubro do ano passado afirmando que ele detinha centenas de milhões de dólares em Bitcoin e que em breve o valor desse investimento seria de bilhões. Adicionalmente, a maior posição do fundo da empresa dele, a Cantor Fitzgerald, é justamente ações da Strategy (antiga MicroStrategy), empresa do Michael Saylor e maior detentora de moedas de Bitcoin em balanço do mundo.
Imagem 5. Capa do podcast do Anthony Pompliano com o Howard Lutnick, atual Secretário do Comércio dos Estados Unidos, onde ele mostra sua visão sobre o Bitcoin em detalhes. Fonte: YouTube.
Composição e gestão
A Reserva Estratégica de Bitcoin será composta pelas moedas de Bitcoin que atualmente estão sob custódia do governo federal dos Estados Unidos, provenientes de apreensões realizadas em processos criminais ou civis. Estima-se que o governo detenha cerca de 200.000 BTCs, equivalentes a aproximadamente US$17,5 bilhões, considerando a cotação atual. Esses ativos serão transferidos para a REB, que funcionará como um "Fort Knox digital", simbolizando a importância estratégica atribuída ao Bitcoin.
A gestão da REB ficará sob responsabilidade do Departamento do Tesouro, que desenvolverá estratégias para adquirir mais moedas de Bitcoin de forma neutra em termos orçamentários, ou seja, sem impor custos adicionais aos contribuintes. Além disso, a ordem executiva proíbe a venda dessas moedas de Bitcoin depositados na reserva, reforçando seu papel como uma reserva de valor de longo prazo.
Paralelamente, o governo Trump anunciou a criação de um Fundo Soberano Americano, também sob a gestão do Secretário do Tesouro, Scott Bessent, e do Secretário do Comércio, Howard Lutnick. Este fundo tem como objetivo investir em grandes projetos nacionais, incluindo infraestrutura, manufatura e pesquisa médica, visando monetizar ativos do governo para beneficiar os cidadãos americanos. Tudo indica que a criação deste fundo está interligada à gestão da REB, uma vez que ambos buscam alavancar ativos existentes para fortalecer a posição econômica dos EUA. Por exemplo, as moedas de Bitcoin confiscadas e incorporadas à REB podem ser considerados parte dos ativos do fundo soberano, contribuindo para a diversificação e potencial valorização do portfólio governamental. Essa estratégia integrada pode ampliar a capacidade de investimento do governo em setores estratégicos, utilizando o Bitcoin como um ativo de reserva e potencial fonte de capital via venda direta ou uso como garantia.
Além disso, a criação do fundo soberano e a gestão da REB refletem uma abordagem mais ativa do governo na administração de seus ativos, buscando novas formas de gerar valor e promover o desenvolvimento econômico. Essa iniciativa pode posicionar os EUA de maneira mais competitiva no cenário global, especialmente em áreas emergentes como a tecnologia blockchain e as criptomoedas.
Interpretações sobre o anúncio
Diversos pontos do anúncio são relevantes e merecem um olhar mais detalhado. Nesta seção, meu objetivo é justamente esse: apresentar um olhar mais detalhado e minhas interpretações iniciais do que o texto contido na Ordem Executiva pode significar.
Orçamento neutro
O secretário do Tesouro, Bessent, e o secretário do Comércio, Lutnick, estão autorizados a desenvolver estratégias para adquirir mais Bitcoin, desde que o orçamento permaneça neutro, ou seja, sem impactar os contribuintes. Essa abordagem faz sentido dentro da estratégia política de Trump, evitando associar a compra de Bitcoin à impressão de dinheiro.
O texto autoriza os Secretários do Tesouro e do Comércio a desenvolverem estratégias orçamentárias neutras para adquirir mais Bitcoin, o que significa que o governo pode aumentar sua posição em Bitcoin sem recorrer a novos impostos ou aumentar a dívida pública de maneira tradicional.
Existem diversas formas que o governo pode utilizar para manter o orçamento neutro e mesmo assim ter dinheiro livre para comprar Bitcoin. Abaixo, listamos algumas formas hipotéticas que viabilizariam essa aquisição:
Uso da Autoridade Executiva: O governo pode utilizar a posição líquida do Exchange Stabilization Fund (ESF), um fundo especial gerenciado pelo Departamento do Tesouro para estabilizar mercados cambiais criado em 1934, durante a Grande Depressão, pelo Gold Reserve Act. Segundo uma análise do Bitcoin Policy Institute em novembro, o ESF possui cerca de US$ 39 bilhões em ativos líquidos, o que permitiria ao governo começar imediatamente a comprar Bitcoin sem necessidade de aprovação legislativa.
Via aprovação de do Bitcoin Act pelo Congresso: O BITCOIN Act, proposto pela senadora Cynthia Lummis, sugere uma abordagem diferente: reavaliar o valor do ouro nos cofres do governo para criar recursos sem impacto orçamentário. Se aprovada, essa lei permitiria que o governo dos EUA adquirisse 200.000 moedas de Bitcoin por ano durante cinco anos, sem gerar novos custos para o orçamento federal.
Emissão de Bitcoin Bonds: O governo pode captar recursos no mercado emitindo títulos de renda fixa lastreados em Bitcoin (Bitcoin Bonds). Esses títulos permitiriam que investidores privados financiassem a aquisição de Bitcoin pelo governo em troca de retornos atrelados à valorização do ativo. Essa abordagem já foi considerada por empresas (Strategy e Marathon, por exemplo) e por outros países (El Salvador) e permitiria ao governo se expor ao Bitcoin sem comprometer seus ativos existentes.
Uso de recursos economizados pelo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE): Criado para otimizar gastos públicos e reduzir desperdícios, o DOGE pode direcionar parte das economias geradas para a aquisição de Bitcoin. Ao reinvestir os ganhos da eficiência operacional, o governo poderia aumentar suas reservas sem a necessidade de novas fontes de financiamento.
Venda de terras e outros ativos federais: O governo dos EUA detém vastas áreas de terras federais e imóveis, muitos dos quais poderiam ser vendidos ou utilizados como colateral para levantar fundos. Essa estratégia se assemelha à forma como empresas privadas gerenciam seus ativos em balanços patrimoniais, permitindo que o governo converta parte de sua infraestrutura física em ativos digitais estratégicos, como o Bitcoin.
Marcação das reservas de ouro a mercado: Atualmente, as reservas de ouro dos EUA estão marcadas em apenas US$ 42 por onça (unidade de medida equivalente a 31,1 gramas de ouro, utilizada como padrão internacional para negociação e investimento), enquanto o valor de mercado ultrapassa US$ 3.000 por onça. A atualização contábil dessas reservas para refletir o valor real permitiria ao governo criar um lastro financeiro significativo para adquirir Bitcoin sem impactar o orçamento federal.
Aceitação de Bitcoin para o “Gold Card” de residência nos EUA: O ex-presidente Donald Trump poderia permitir que estrangeiros interessados em residência nos EUA pagassem em Bitcoin o seu “Gold Card”. Muitos indivíduos ricos em mercados emergentes enfrentam dificuldades para transferir US$ 5 milhões para fora de seus países. O Bitcoin oferece uma solução mais simples, segura e discreta, criando um fluxo de entrada de Bitcoin para as reservas do governo.
Uso de Tarifas para Compra de Bitcoin: O governo pode alocar uma parte das receitas geradas por tarifas comerciais, como as aplicadas à importação de ASICs de mineração, para comprar Bitcoin. Isso criaria uma fonte recorrente de aquisição, garantindo a expansão gradual das reservas estratégicas de BTC sem necessidade de novas arrecadações fiscais.
Embora a proposta de adquirir Bitcoin de maneira orçamentariamente neutra pareça atraente, essa abordagem pode ser vista com ceticismo, dependendo dos métodos utilizados pelo governo para atingir esse objetivo. O conceito de neutralidade orçamentária sugere que a aquisição de Bitcoin não deve gerar novos custos para os contribuintes, mas não especifica de forma rígida quais meios seriam empregados. Nesse sentido, uma possibilidade controversa seria a utilização de ativos confiscados de exchanges e ETFs de Bitcoin em eventuais ações regulatórias ou judiciais. Se o governo endurecesse sua postura contra plataformas de custódia e impusesse novas restrições legais, poderia haver uma justificativa para reter e utilizar os Bitcoins apreendidos, algo que, na prática, configuraria um confisco indireto do mercado privado para fortalecer a reserva estratégica do Estado. Da mesma forma, a estatização da Strategy e seus fundos seria um caminho sem impacto no orçamento de aquisição de moedas de Bitcoin para a REB.
Em outras palavras, os mais paranóicos do ecossistema se preocupam que esses termos da Ordem Executiva gerarão um incentivo para o governo confiscar mais moedas de Bitcoin ao atacar corretoras, usuários e empresas que detenham o ativo.
O Bitcoin não vai ser banido pelo governo
Esse movimento reduz drasticamente a possibilidade de o governo americano banir o Bitcoin no futuro, pois agora ele faz parte da estratégia econômica e geopolítica dos Estados Unidos. Além disso, abre um precedente que torna ainda mais difícil para outros países justificarem políticas agressivas contra a criptomoeda. Se a maior potência econômica e militar do mundo reconhece o Bitcoin como um ativo estratégico, torna-se cada vez mais improvável que outras nações consigam sustentar restrições rígidas contra ele sem sofrer consequências competitivas.
A aprovação dos ETFs de Bitcoin à vista nos EUA em 2024 já havia começado a consolidar a visão de que o Bitcoin nunca seria banido. Essa aprovação marcou um ponto de inflexão, pois representou a aceitação formal do Bitcoin dentro do sistema financeiro tradicional. Quando a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) aprovou os ETFs, ficou claro que pelo menos uma agência reguladora de alto nível via o Bitcoin como um ativo legítimo. O reconhecimento desta aprovação permitiu que fundos de investimento, fundos de pensão e grandes instituições financeiras comprassem Bitcoin com o aval do governo, eliminando o argumento de que a criptomoeda poderia ser simplesmente proibida. No entanto, a aprovação da Reserva Estratégica de Bitcoin encerra qualquer dúvida remanescente. Se o governo dos Estados Unidos agora considera o Bitcoin um ativo de importância nacional, banir sua posse por cidadãos ou empresas se torna implausível.
Outro efeito significativo é a dificuldade que instituições como o Fórum Econômico Mundial terão para argumentar contra a posse de Bitcoin por países e indivíduos. Recentemente, essas instituições criticaram El Salvador por sua política de Bitcoin, alegando riscos financeiros e instabilidade, mas essa narrativa perde força quando a maior economia do mundo adota uma abordagem semelhante. Se o Bitcoin é um ativo adequado para os EUA manterem em reserva estratégica, a justificativa para desincentivar sua adoção por outras nações e populações se torna cada vez mais frágil. Com isso, a legitimidade do Bitcoin como reserva de valor global se fortalece, e a narrativa de que ele não pode ser um ativo seguro para Estados soberanos perde credibilidade.
Diferença clara entre o Bitcoin e as altcoins
A ordem executiva deixa clara a separação entre a Reserva Estratégica de Bitcoin (REB) e o Estoque de Ativos Digitais dos EUA. Enquanto a REB pode ser ampliada, a de altcoins não tem essa intenção. Para os bitcoiners, esse é um sinal positivo: até no nível federal, há o reconhecimento de que o Bitcoin merece uma estratégia específica, enquanto o restante do mercado cripto é tratado de forma secundária. Esse movimento reforça uma distinção que já vinha sendo construída nos últimos anos entre o Bitcoin e as demais criptomoedas, diferenciando-o como um ativo de reserva sólido e confiável.
Além da REB, a ordem executiva estabelece o Estoque de Ativos Digitais dos EUA, destinado a outras criptomoedas confiscadas pelo governo. Diferentemente do Bitcoin, esses ativos poderão ser vendidos conforme estratégias de gestão responsáveis determinadas pelo Secretário do Tesouro. Essa distinção destaca a posição única do Bitcoin como a criptomoeda original, segura, escassa e descentralizada, limitada a 21 milhões de unidades. Essa diferenciação vem se consolidando ao longo dos últimos anos, especialmente após eventos marcantes que abalaram a credibilidade do mercado cripto como um todo. A quebra da Terra Luna em maio de 2022, seguida pelo colapso da FTX em novembro de 2022, revelou a fragilidade e os riscos sistêmicos do ecossistema das criptomoedas, mostrando ao mercado tradicional que grande parte dessas moedas dependia de estruturas altamente centralizadas e vulneráveis a fraudes ou falhas de gestão.
A aprovação dos ETFs de Bitcoin à vista nos EUA em 2024 foi outro marco fundamental nesse processo. Com essa decisão da SEC, fundos institucionais passaram a ter uma forma regulamentada de investir em Bitcoin, o que atraiu bilhões de dólares para o ativo. Essa aprovação não se estendeu as demais criptomoedas, deixando claro que o Bitcoin estava sendo tratado como um ativo diferenciado, com maior nível de segurança e confiabilidade para investidores institucionais. Agora, a criação da Reserva Estratégica de Bitcoin pelos EUA consolida de vez essa distinção, estabelecendo o Bitcoin como um ativo estratégico em nível governamental, enquanto as demais criptomoedas continuam sendo tratadas como ativos especulativos e passíveis de liquidação. Essa decisão reforça a tese de que Bitcoin está em um patamar totalmente distinto do restante do mercado cripto, tanto para investidores privados quanto para governos ao redor do mundo.
O fim da incerteza regulatória
Um estudo realizado pela Bitwise em parceria com a VettaFi no início de 2024 revela que a incerteza regulatória era o principal obstáculo para que consultores financeiros iniciarem ou aumentem sua exposição ao Bitcoin e a outros ativos digitais. Segundo essa pesquisa, 64% dos consultores entrevistados identificaram essa falta de clareza regulatória como a barreira mais significativa à adoção de criptomoedas em seus portfólios. Esse percentual supera preocupações como volatilidade, segurança, liquidez e complexidade operacional, evidenciando que, para a maioria dos investidores institucionais, a ausência de diretrizes claras impede a tomada de decisões estratégicas relacionadas ao Bitcoin. Sem uma estrutura regulatória bem definida, há o receio de que mudanças legislativas futuras possam impactar negativamente investimentos já realizados, tornando a classe de ativos menos previsível e segura do ponto de vista institucional.
Imagem 6. O que impede os alocadores de capital de começarem a investir ou aumentar suas alocações em bitcoin? De acordo com a pesquisa da Bitwise divulgada em janeiro de 2024, a incerteza com as questões regulatórias era o fator predominante. Fonte: Bitwise
Esse cenário levou muitos gestores a adotar uma postura de espera, aguardando uma regulamentação mais clara antes de alocar capital no setor. No entanto, a aprovação dos ETFs de Bitcoin no início de 2024 começou a mudar esse panorama, oferecendo um primeiro quadro de legitimidade institucional para o ativo. A verdadeira transformação, porém, ocorreu com a posse do governo Trump, com suas diversas propostas como o repelimento da SAB 121 em detrimento da SAB 122 ainda no início de janeiro e o estabelecimento da Reserva Estratégica de Bitcoin em março de 2025, que eliminaram definitivamente as incertezas sobre aspectos fundamentais como tributação, conformidade com normas de compliance e classificação jurídica do Bitcoin como ativo digital. A postura anteriormente oscilante dos reguladores, que incluía processos judiciais contra empresas do setor e declarações contraditórias de órgãos governamentais, foi substituída por diretrizes claras e apoio governamental explícito.
Como resultado, consultores que já reconheciam o potencial de valorização do Bitcoin passarão a aumentar ativamente sua exposição, aproveitando a nova segurança jurídica estabelecida para operar nesse mercado.
A Teoria dos Jogos está começando a acelerar?
A decisão dos Estados Unidos de estabelecer uma Reserva Estratégica de Bitcoin (REB) pode desencadear um efeito dominó na adoção do Bitcoin por outros países, especialmente sob a ótica da teoria dos jogos. Quando um grande player econômico como os EUA decide acumular Bitcoin como reserva estratégica, outras nações são forçadas a avaliar sua posição para não ficarem em desvantagem competitiva. Esse movimento pode ser entendido como um jogo de soma zero, onde a vantagem adquirida por um país ao garantir sua parcela do suprimento finito de Bitcoin implica em uma oportunidade reduzida para aqueles que demorarem a agir. Isso se torna ainda mais relevante considerando a oferta limitada do Bitcoin, fixada em 21 milhões de unidades, o que cria uma dinâmica em que a escassez impulsiona a valorização do ativo ao longo do tempo.
A criação da reserva estratégica americana não passou batida no cenário mundial. Especialistas financeiros sul-coreanos defendem que o país deve considerar a integração do Bitcoin em suas reservas nacionais como resposta ao movimento dos EUA de criar uma reserva estratégica de criptomoedas. Durante um fórum no Parlamento, líderes do setor alertaram que, caso os Estados Unidos adotem o Bitcoin como parte de suas reservas, a Coreia do Sul precisará definir uma política clara para não perder competitividade no cenário global. Os especialistas afirmam que, sem uma estratégia bem definida para ativos digitais, a Coreia do Sul pode ficar para trás na corrida tecnológica e financeira. Isso é só um pequeno exemplo de um processo mais amplo. Com a crescente adoção do Bitcoin por diversas nações, há uma pressão crescente para que governos desenvolvam políticas que integrem Bitcoin e ativos digitais às suas estratégias econômicas de longo prazo.
Países como Reino Unido, Butão e El Salvador já possuem quantidades significativas de Bitcoin em suas reservas nacionais, sendo que alguns deles utilizam o ativo para fomentar inovação tecnológica e independência monetária. El Salvador, por exemplo, vem comprando Bitcoin recorrentemente há bastante tempo e inclusive mostra suas reservas de forma transparente no site bitcoin.gob.sv. O Butão, por sua vez, revelou que vem minerando Bitcoin há anos como uma forma de diversificar suas reservas sem depender do sistema financeiro tradicional.
Além da transparência de alguns governos sobre sua estratégia de acumulação, há também um movimento mais discreto acontecendo nos bastidores. Países com regimes menos transparentes, como algumas nações do Oriente Médio e a Rússia, têm um forte incentivo para acumular Bitcoin sem divulgar essas informações ao público. Isso pode ocorrer por diversas razões, como a tentativa de escapar de sanções internacionais, reduzir a dependência do dólar americano ou simplesmente diversificar suas reservas de forma sigilosa.
No caso da Rússia, por exemplo, a adoção de Bitcoin como meio de liquidação comercial já foi debatida no contexto das sanções econômicas impostas pelo Ocidente. Adicionalmente, o país minera Bitcoin com seus vastos recursos energéticos que estão subutilizados devidas as sanções europeias ao gás russo. Como o Bitcoin é uma moeda descentralizada e resistente à censura, ele pode ser utilizado por governos como uma ferramenta para realizar transações internacionais sem a necessidade de passar pelo sistema financeiro tradicional, que é fortemente controlado por instituições ocidentais.
Imagem 7. Representação da teoria dos jogos da adoção do Bitcoin que está começando a se desenvolver no aspecto geopolítico.
Esse cenário também pode levar a um fenômeno conhecido como acumulação estratégica sigilosa, onde países começam a comprar e armazenar Bitcoin sem divulgar oficialmente suas participações. Se grandes potências globais começarem a acumular Bitcoin sem anúncio público, a pressão sobre o suprimento disponível aumentará de maneira silenciosa, tornando a entrada tardia de outros estados ainda mais custosa. Em mercados financeiros tradicionais, os bancos centrais frequentemente atuam dessa forma ao comprar ouro, evitando revelar grandes compras para não impulsionar o preço do ativo antes de garantir uma posição confortável. Esse comportamento pode estar sendo replicado com o Bitcoin, especialmente em regiões onde a estabilidade da moeda local é uma preocupação constante.
Vale comentar também que, pelo princípio da teoria dos jogos, no momento existe agora uma janela de curto prazo para que outras nações comprem Bitcoin antes dos EUA conseguirem expandir sua reserva formalmente, devido à necessidade de aprovação no Congresso.
No médio prazo, essa corrida por acumulação de Bitcoin tende a pressionar seu preço para cima, devido ao aumento da demanda institucional e governamental em um mercado com oferta limitada. O impacto no mercado financeiro pode ser semelhante ao que ocorre com o ouro, onde a posse por parte dos bancos centrais gera uma base sólida de valor para o ativo. À medida que mais países adotam o Bitcoin como reserva estratégica, a legitimidade e a confiança no ativo aumentam, atraindo também investidores privados e instituições financeiras, que perceberão o Bitcoin como um instrumento de proteção contra a inflação e crises monetárias. Além disso, um ambiente onde governos acumulam Bitcoin pode incentivar uma espiral positiva de adoção, pois empresas e fundos de investimento se sentirão mais confortáveis em alocar capital nesse ativo, sabendo que ele está sendo cada vez mais integrado ao sistema financeiro global.
No longo prazo, essa adoção ampla pode levar a uma reconfiguração do sistema monetário global, onde o Bitcoin desempenharia um papel central como reserva de valor internacional. Se estados nação começarem a utilizá-lo para transações internacionais e como proteção contra instabilidades econômicas e políticas, um novo paradigma financeiro pode emergir. Alguns especialistas sugerem que, caso esse cenário se concretize, o Bitcoin poderá até substituir parcialmente o ouro como principal reserva de valor global e, eventualmente, competir com o dólar como referência monetária internacional.
Se os EUA forem pioneiros nesse processo e garantirem uma posição dominante antes de outras nações, poderão manter sua hegemonia econômica mesmo em um mundo cada vez mais digitalizado. No entanto, se outros países acelerarem sua adoção silenciosamente e acumularem grandes quantidades antes de um reconhecimento oficial global, o equilíbrio de poder monetário poderá mudar drasticamente nas próximas décadas.
A visão apresentada por Michael Saylor
Michael Saylor, chairman da Strategy, publicou seus comentários no encontro realizado na Casa Branca sobre o futuro dos ativos digitais nos Estados Unidos. Em sua declaração, Saylor enfatizou a necessidade de uma estratégia nacional para consolidar a liderança americana na economia digital do século XXI. A proposta apresentada defende a criação de um ambiente regulatório favorável à inovação e à atração de investimentos, garantindo que os EUA permaneçam no centro das transformações financeiras globais.
O plano sugere a classificação dos ativos digitais em quatro categorias principais:
Tokens Digitais, que impulsionam inovação e captação de capital;
Valores Mobiliários Digitais, focados na eficiência e globalização dos mercados;
Moedas Digitais, essenciais para manter a supremacia do dólar no cenário financeiro global;
Commodities Digitais, com destaque para o Bitcoin como ativo de preservação de valor.
Essa estrutura permitiria que empresas e instituições acessassem mercados financeiros mais eficientes, promovendo a tokenização de ativos e a circulação global de títulos e commodities digitais.
Saylor também destacou o papel fundamental do Bitcoin dentro dessa estratégia. O plano apresentado por Saylor prevê que o governo adquira entre 5% e 25% do suprimento total de Bitcoin até 2035, criando uma base sólida de riqueza para o Tesouro americano, com potencial de gerar trilhões de dólares anualmente até 2045.
Para viabilizar essa visão, a proposta sugere o fim das políticas hostis ao setor, o incentivo para que bancos tradicionais custodiem e negociem Bitcoin e a remoção de barreiras regulatórias que dificultam a inovação. Segundo Saylor, a implementação dessa estratégia pode desbloquear um valor econômico gigantesco, garantindo que os EUA continuem sendo a maior potência financeira global na Era Digital.
Significado para a Humanidade
Geralmente, meus textos são pautados pela objetividade e análise de macrotendências, buscando uma visão isenta e baseada em fatos concretos. No entanto, permitam-me, nesta seção, adotar uma perspectiva mais pessoal e compartilhar como bitcoiner o significado profundo que este momento representa para mim e, acredito, para muitos outros entusiastas do Bitcoin.
Os Estados Unidos aceitaram o cavalo de Tróia que Satoshi criou: o dinheiro da liberdade entrou oficialmente nos portões do regime fiduciário. Este é um ponto de virada na história que transcende a mera valorização financeira ou oscilações de curto prazo no mercado. A adoção do Bitcoin como reserva estratégica por uma das maiores potências mundiais simboliza a legitimação de uma alternativa monetária que preza pela descentralização e pela liberdade econômica individual.
A adoção do Bitcoin como reserva estratégica transcende simples ganhos financeiros—representa um avanço fundamental na liberdade econômica humana. Pela primeira vez na história moderna, indivíduos comuns têm acesso a um sistema monetário que não pode ser manipulado por autoridades centrais. Esta transformação proporciona uma segurança financeira genuína que o sistema fiduciário nunca pôde oferecer.
Este momento histórico pode ser comparado à icônica cena do filme "2001: Uma Odisseia no Espaço", em que um dos hominídeos, após tocar o monólito, descobre o uso de ossos como ferramentas e armas, simbolizando um salto evolutivo significativo. Assim como aquele hominídeo teve uma epifania que mudou o curso da humanidade, a adoção do Bitcoin como reserva estratégica representa uma quebra de paradigma no sistema financeiro global. O video produzido pelo Bitstein representa bem este salto evolutivo. Estamos testemunhando a transição para um dinheiro neutro e livre, que não está sujeito às manipulações de entidades centralizadas.
Esta mudança não apenas altera a forma como percebemos e utilizamos o dinheiro, mas também inaugura uma era de maior autonomia e empoderamento individual. Estamos vivendo o início da Era do Indivíduo Soberano, citando um livro que todo bitcoiner deveria ler.
Assim como a descoberta do uso de ferramentas marcou o despertar da inteligência humana, a adoção do Bitcoin como reserva estratégica sinaliza o despertar para um sistema monetário neutro e livre. Este avanço não apenas redefinirá a relação das pessoas com o dinheiro, mas também promoverá uma sociedade onde a liberdade econômica é acessível a todos, independentemente de sua localização geográfica ou status social.
Estamos vivendo um momento que será lembrado como um salto evolutivo na história financeira da humanidade. A aceitação do Bitcoin como ativo por nações soberanas não é apenas a adoção de uma nova tecnologia, mas a afirmação de valores como liberdade, transparência e descentralização. Este é o início de uma nova era, onde o poder sobre o dinheiro retorna às mãos de cada indivíduo, promovendo uma sociedade mais justa e próspera.
Imagem 8. Representação artística da cena clássica dos hominídeos obtendo o conhecimento.